Dia 13 – Não há mais séries que eu queira assistir, nos três canais de streaming que possuo. Igualmente, cansei de responder as conversas mortas, vazias de entusiasmo, concebidas dentro da limitada etiqueta virtual dos aplicativos.

Tenho mandado emoji de “carinha vomitando”, mais do que recomenda as regras civilizatórias!

Tenho máscaras de todas as cores e alegorias para cada manifestação de espírito. Hoje será a do meu time – Vai prá cima deles, Santos!

Tenho saído pouco, seguido as recomendações dos manda-chuva da OMS. Tenho medo, mas, moro sozinho, de modo que para abastecer a geladeira e a dispensa, tenho que fazer essas excursões ao mercado, a feira e a padaria. Montaram um sistema de atendimento na padaria, que consiste na marcação do piso para o perfeito distanciamento entre as pessoas da fila e antes disso, há um dispenser de álcool em gel.

Sou o que chamam de sistemático, cumpro horários bem definidos e rotinas invariáveis. Assim, é plausível que encontre sempre as mesmas pessoas nessa fila. Quando chego, estão a minha frente: Marcos, o Major aposentado; Lucarelli, o eterno playboy da rua XV; Ana Alice, diretora da escola da minha neta; Bosco, a promessa de popstar que não vingou e a Rosa, doméstica na casa dos Silveira. Eu, chego ainda com sono e quando estou assim, é certo que o meu humor está caindo de péssimo para terrível. Com esse ímpeto de alma, presencio a interminável solicitação do major e sua forma irritante de pedir cada item com a certeza de uma noiva insegura de novela da Globo a caminho do altar. E demora… Ora quer salame, outra quer presunto e não se decide por nenhuma opção de marca. Imagino esse sujeito tendo que decidir ações de combate… Perderíamos a guerra por falta de iniciativa.

Dia 32

Joguei fora as tintas. As aulas de pintura, (online), conseguiram segurar um pouco a ansiedade e inquietação que virava e me revirava, deixando-me de arregalado olhos, tonto e prostrado no deserto da sala de estar. Pintei naturezas mortas e pessoas retratadas descompostas, desconstruídas, como na fase cubista do Picasso. Me perdi numa fuga abstrata. E no fim do processo não me serviam as tintas que pareciam camadas secas de sangue nas telas.

Chego para ocupar meu lugar na fila do pão, sinto falta do Lucarelli, mas não tenho ânimo de perguntar por ele, e então de forma sobrenatural, dona Rosa me informa.

— Soube do seu Lucarelli? Antes que eu declarasse que não, ela disse: morreu!

Uma inundação de pensamentos me traz a memória as peripécias do sujeito que ainda vivia preso aos anos oitenta, que frequentava os bailes de flash-back do Clube dos Ingleses, que ousou fazer um implante para mascarar a calva madura. Implante que mais parecia um confuso ninho de pássaros.

Dia 63

Depois de muito tempo voltei a assistir aos noticiários. Esperança é uma garrafa com uma mensagem dentro que lançamos ao mar, esperando que chegue ao destinatário certo, aquele que possui meios de nos resgatar. As notícias, porém, desmentiam qualquer esperança. Nenhuma resposta ao S.O.S.. Nenhuma certeza, nenhuma previsão, o governo sugeria um bêbado que não sabe o caminho de volta para casa. O governo parecia o major Marcos, sem conseguir escolher a marca do presunto.

A fila está menor. Ontem – me disse a atendente – Foi a Rosa quem partiu, assim de repente.

CONTINUA… OU NÃO!