Desde o dia 27/11/2024, o STF começou a julgar o artigo 19 da Lei 12.965/2014 – Marco Civil da Internet, que trata da não responsabilização das plataformas de redes sociais pelos conteúdos postados pelos usuários (terceiros). Diversas entidades falaram na Audiência Pública nos dias 27/11 e 28/11, defendendo cada qual seu ponto de vista. As demandas que deram origem tratam de Responsabilidade civil e decisão judicial, Retirada de conteúdo ofensivo sem decisão judicial, Quebra de sigilo em aplicativos de mensagens e Bloqueio do WhatsApp.
Imagina não poder tecer críticas ao Poder Público Municipal, Estadual e Federal, Concessionárias de Serviços Públicos e Empresas Privadas simplesmente sob alegação de manifestação difamatória?
De um lado, pedindo que o artigo seja declarado inconstitucional para punir as plataformas:
- Estimula a inércia das plataformas.
- O modelo econômico depende de engajamento e o problema está no ódio, que é a natureza humana.
- Publicidades enganosas e abusivas.
- Milhões em sonegação com a venda de produtos ilegais por plataformas estrangeiras.
- Influência direta na otimização de conteúdo.
- Espécie de imunidade das plataformas.
De outro lado, pedindo a Constitucionalidade:
- A ampliação das hipóteses sem autorização judicial pode favorecer a censura.
- Ao se tratar de honra são passíveis de grandes interpretações.
- Qualquer conteúdo que represente denúncia ou crítica pode ser havido como ofensivo e instado a ser removido, causando grave prejuízo ao debate público.
- A censura e o cerceamento da liberdade sempre começa com bons propósitos.
O debate é amplo, envolve diversos interesses, pois trata de Liberdade de Expressão, Risco de Censura por Remoção de Conteúdos sem ordem judicial.
As partes principais são Facebook e Google que estão recorrendo de sentenças que as condenaram, afastando o previsto no artigo 19 que diz:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
No dia 27/11/2024, falaram no plenário os recorrentes Facebook e Google.
Facebook – Falando como parte no Recurso Extraordinário 1.037.396 – Tema Repercussão Geral 987
O representante, em sua fala, citou o ministro Aires Brito: “Esta é uma casa de fazer destinos”. O RE que recebeu repercussão geral, recurso que afastou a aplicação do artigo 19 tem por objeto um Perfil falso criado em nome da autora. Havia dúvidas de quem reclamava a remoção era ou não a pessoa.
3 questões:
- – Existe o dever de fiscalizar conteúdo por provedores?
- – Remover conteúdos por simples notificação extrajudicial?
- – Existe responsabilidade dos provedores antes da decisão judicial?
Defendeu que o artigo é constitucional. Falou ainda em “Cuidado com a censura massiva”.
“Qualquer conteúdo que represente denúncia ou crítica pode ser havido como ofensivo e instado a ser removido, causando grave prejuízo ao debate público”.
Quando se trata de temas como Exploração Sexual, Terrorismo, Racismo, Abolição ao Estado de Direito e Golpe de Estado já estão previstos em lei e são removidos automaticamente.
Mas conceitos abertos como FakeNews, Desinformação, Crimes contra honra ou Postagens manifestamente ilegais incentivariam remoções excessivas e uma Judicialização massiva.
Requereu o Provimento do recurso extraordinário e a declaração da constitucionalidade do artigo 19.
O Ministro Barroso questionou: Se a própria pessoa pode encerrar a conta porque ela pediria para o Facebook encerrar por ela? Há dúvida de que ela é?
O representante do Facebbok disse que “A dúvida está em saber quem é a pessoa que está pedindo. Hoje, com avanço da tecnologia, mais de 98% de notificação de perfil falso é removido automaticamente”.
Alexandre de Moraes disse que tem muitos perfis o criticando e só por isso já seria suficiente para identificar que o perfil não pertence a quem ostenta ser.
Google falando como parte no Recurso 1.057.258 – Tema Repercussão Geral 533
O representante do Google disse que “não estava pedindo para que a liberdade de expressão seja ilimitada”.
Antes da internet, precedendo a tecnologia, no século 20, tivemos duas guerras mundiais, diversos regimes autoritários totalitários que manipularam as informações e controlavam, manifestações de genocídio movido por intolerância, no Brasil já tivemos dois regimes de exceção que manipulavam a informação, iniciados com a desinformação sob o risco da ameaça comunista.
Não são problemas que a internet criou. A internet potencializa o alcance e permite que as pessoas se manifestem de maneira direta, que também pode causar momentos difíceis, mas não antidemocráticos.
Considerando diversos ilícitos também, que devem ser responsabilizadas. Acabar com o artigo 19 não revolve.
Em 2023 o YouTube removeu 1,6 milhões de vídeos por violação das suas políticas que estão em consonância com a legislação. Foi destinatária de apenas 14 ordens judiciais. Não existe inércia como parte do negócio das plataformas.
“Nenhum país democrático adota uma lógica de responsabilização objetiva (só pq existe um conteúdo) porque levaria a um dever de monitoramento”. Defendemos a ampliação cautelosa das hipóteses com parâmetros claros.
Citou uma passagem acadêmica: “A censura e o cerceamento da liberdade sempre começa com bons propósitos, invariavelmente degenera, pois a censura é intrisicamente aristocrática. Ela parte da premissa que as pessoas não são capazes de olhar por si, precisa que alguém diga a elas ou esconda delas aquilo que elas não são capazes de assimilar.”
Se a proteção da democracia exige que se crie todo incentivo a remoção de todos os conteúdos controversos, talvez no final não sobre exatamente a democracia liberal como nós a conhecemos. Que foi a solução no mundo para superar todos vícios e ciclos de atraso que existiam antes da internet como preconceitos e intolerâncias.
Ainda falou representantes da Associação Brasileira de Centro de Inclusão Digital , Instituto Brasileiro de Direito Civil, Instituto Alana, Instituto de Advogados de São Paulo, Confederação Israelita do Brasil, Núcleo de Informação e Coordenação do .br link BR e Ministério Público de São Paulo
No dia 28/11 falaram como Amicus Curiae que significa Amigos da Corte para trazer mais informações os seguintes personagens:
Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor
Disse que o artigo 19, ao impor a necessidade de ação judicial, estimula a inércia das plataformas e viola a lógica da responsabilidade civil erroneamente.
Pode uma lei afastar proteções constitucionais e de defesa do consumidor?
A representante iniciou sua fala dando o exemplo de uma cessionária de serviços públicos onde os usuários criaram um perfil para reclamar. A empresa entrou na justiça e a justiça negou. A justiça analisou todos os comentários e em sua decisão disse que “o Descontentamento pelo serviço prestado, não caracteriza manifestação difamatória”.
Outro caso foi de uma pessoa que havia sido condenada na justiça se sentiu ofendida com 222 manifestações (comentários). Ela entrou com pedido na justiça, que analisou todos os conteúdos, e mandou remover apenas 1, prontamente cumprida pela empresa.
Não há razoabilidade em colocar o direito de ter apenas uma notificação extrajudicial para remoção de conteúdo.
Associação Brasileira de Emissoras de Rádios e Televisão
Começou enfatizando sobre existir um “Falso dilema entre liberdade de expressão e responsabilidade”. Disse que as emissoras são responsabilizadas por conteúdos de outras pessoas simplesmente porque divulgam.
O Modelo Econômico das plataformas digitais depende de engajamento e o problema está no ódio, que é a natureza humana. Fala que é um ambiente de propagação de agressividade. Também não concorda em criar uma lista de exceções porque logo ficará obsoleta.
Deu exemplo de antes não existir agressões ao STF e agora ser algo normal, coisa inimaginável num passado próximo. Pediu a inconstitucionalidade do artigo 19
INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Citando uma música de Caetano Veloso, disse que as plataformas surfam em milhões, no acesso embora gratuito. A dificuldade operacional não existe no campo econômico. Os anúncios não são de graça. Os ministros do supremo são vítimas. Disse que a morosidade do judiciário prejudica.
Pediu para que as publicidades enganosas e abusivas sejam punidas também.
Lembrou que o artigo não trata de responsabilizar os atos dos próprios. Existe a possibilidade de remoção com autorização judicial. Não é obrigatório. A ampliação das hipóteses sem autorização judicial pode favorecer a censura.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JORNALISMO INVESTIGATIVO
Disse que existe uma diferença enorme entre as empresas das redes sociais e o meios de imprensa. Essa enorme distância permite que, em nome da proteção de valores democráticos, se abafe ou limite a liberdade de imprensa e atividades jornalística que são os principais esteios da democracia.
Trouxe dados: Na sua base de dados disposta no link adiante, de 2014 a 2023, entre quase 6 mil processos com pedido de remoção de conteúdos jornalísticos, em mais de 40% a remoção foi indeferida pelo Poder Judiciário.
https://www.ctrlx.org.br/#/infografico
O dever de cuidado das plataformas deve aumentar, mas, os contornos não podem se de uma magnitude que represente um cerceamento à liberdade de expressão e imprensa.
Cuidado com os pedidos. Os danos coletivos devem ser protegidos, mas, cuidado com a armadilha do argumento da proteção da honra. Muito utilizado para remover conteúdo legítimo, relevante e de interesse público.
A honra não é um direito coletivo, as ações penais são condicionadas a iniciativa privada. Denúncia de corrupção, transparência dos atos de governo de estado devem ser protegidos. As penalidades devem ser para proteger bens coletivos.
Que as decisões sejam ligadas ao artigo 21
MERCADO LIVRE
Citou os termos de condições de uso listam uma série de itens proibidos, ferramenta de denúncia em cada um dos anúncios, programa de proteção a propriedade intelectual e parcerias firmadas com setores do governo, MP e polícias.
Trouxe dados: Teve 592 milhões de anúncios de janeiro a junho 2024, removendo 4,5 milhões por não atender, e 145 mil por denúncias.
Temos muito cuidado para evitar a remoção de diversos falsos positivos.
WIKIPÉDIA – Wikimidia Fondation
Está entre os 10 sites mais acessados do mundo. Não é um lugar para travar debates. Conteúdo colaborativo. Vive de doações. Conteúdo é auto regulado. Ao se tratar de honra são passíveis de grandes interpretações.
Luiz Fux pediu a palavra para dizer que não imaginava atingir o Wikipédia.
Uma dúvida: se contiver uma descrição de determinada autoridade completamente incorreta do seu currículo e trajetória de vida. Uma vez notificado o Wikipédia retira ou conserta?
Respondeu que existem equipes para cuidar e que isso não acontece.
TIKTOK – Bytedance Brasil tecnologia
Trouxe dados: 167 milhões de vídeos removidos no mundo. 6,4 milhões no Brasil. No período eleitoral foram 100 mil. 154 ordens judiciais para remover 250 links. 700 milhões de perfis falsos no mundo.
Tem um sistema eficiente de remoção de conteúdos.
INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO DO VAREJO
Vendas de produtos ilegais por plataformas estrangeiras que se escondem atrás do artigo 19. Não pagam os mesmos impostos que as plataformas nacionais do varejo.
Em 2020 ocorreu R$ 600 milhões em sonegação.
Sleeping Giants Brasil – Organização da Sociedade Civil
Disse que “Atos próprios e atos de terceiros diferenciados pelo artigo 19”. Ao desempenhar papel ativo, às plataformas deixam de ser meras hospedeiras e passam exercer influência direta na otimização de conteúdo.
ADVOGADO GERAL DA UNIÃO
O marco civil se deu quando houve uma espionagem na presidência nacional (Governo Dilma). Lembrou que pediu a retirada de conteúdos de transmissão ao vivo da invasão do palácio do planalto monetizadas.
Não deve ser mantido o regime inaugurado pelo artigo 19
Alexandre de Moraes fala que é contra a auto-regulação que se esconde atrás do artigo 19.
O debate é longo, precisa de muita atenção porque tem ligação direta com o Projeto de Lei 2630/2020 que trata da regulamentação das redes sociais.
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